SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Sem o smartphone na mão, o que os alunos vão fazer nos intervalos das aulas? Escolas pelo Brasil se viram diante desse desafio após a entrada em vigor da lei federal que regula o uso de celular, oficializada no começo de 2025. A resposta veio com saídas criativas e a retomada de brincadeiras do passado.
Em São Paulo, mesas de pingue-pongue e pebolim retornaram aos pátios, acervos de jogos de tabuleiro foram renovados e quadras de esporte ganharam esquema de rodízio para que mais estudantes pudessem utilizá-las.
No colégio Equipe, por exemplo, houve incentivo a rodas de conversa, jogos de tabuleiro, atividades esportivas e uso mais ativo dos espaços comuns. Segundo Luciana Fevorini, diretora, foi fundamental se preparar para o vácuo deixado pelo celular.
“O que funcionou melhor foi oferecer alternativas concretas para o tempo de recreio. O que menos funcionou foi simplesmente esperar que os alunos ocupassem o tempo sem mediação ou proposta.”
Para medir o impacto das medidas e orientar ajustes, a escola fez uma pesquisa interna, na qual os alunos relataram mais concentração e menos dependência das redes sociais. “Alguns passaram até a limitar voluntariamente o tempo de uso fora da escola”, diz Fevorini.
“Uma lição importante é que proibir, por si só, não é suficiente. É necessário oferecer alternativas de interação, criar canais de diálogo com as famílias, monitorar os efeitos e incluir a voz dos alunos na construção de regras.”
Antes mesmo da lei, o colégio Vital Brasil aumentou dez minutos no tempo de intervalo sob a condição de que não houvesse uso de celulares. “Os alunos amaram essa troca. E esse tempo extra incentivou o brincar e a convivência”, diz Suely Nercessian, diretora pedagógica.
Ela conta que os estudantes criam seus próprios jogos e que há mais interação entre alunos de diferentes turmas.
Em algumas escolas, a adaptação incluiu a adequação da infraestrutura. O colégio Villare, em São Caetano do Sul, no ABC paulista, investiu em armários seguros para atender alunos que têm dificuldade de manter o aparelho desligado na mochila.
Foi delimitada uma área próxima à entrada onde o uso do celular é permitido na entrada e na saída, para a comunicação com familiares ou solicitação de carros de aplicativo.
Para os intervalos, a escola disponibilizou um profissional de educação física para propor atividades na quadra. Mas o diretor, Ernani de Paula, pondera que também é necessário dar aos estudantes a opção de não fazer nada.
“O aluno deve ter liberdade de escolha, inclusive de não participar destas atividades, pois o descanso é importante durante o intervalo. Cuidamos para não cultivar o pensamento de que o tempo todo é preciso fazer alguma coisa.”
Na capital paulista, o colégio Miguel de Cervantes se preparou para um “retorno ao analógico”. Temos mais cartazes espalhados, voltamos a usar quadro de avisos e relógios de ponteiro -alguns alunos precisaram lembrar, ou aprender, como ver as horas”, diz Sérgio Pfegler, orientador educacional.
“Tem muitas mudanças curiosas acontecendo, ferramentas que a gente tinha deixado de usar e voltaram.”
Segundo Pfegler, os adolescentes aprenderam a lidar com a insegurança de não poder resolver problemas com uma pesquisa instantânea no celular. Eles também fizeram uma assembleia e sugeriram jogos que a escola poderia oferecer.
No colégio Pioneiro, foi organizado um calendário semanal de uso das quadras -que se tornaram espaços muito desejados, segundo Mario Fioranelli, diretor pedagógico do fundamental 2 e do ensino médio. A escola adquiriu jogos de mesa e de tabuleiro e percebe uma grande procura, inclusive entre alunos mais velhos.
A mudança vai além dos intervalos. “A entrega de tarefas e a participação nas atividades melhoraram. A percepção é de que o rendimento dos alunos está em ascensão, o que deverá refletir futuramente nos indicadores de desempenho.”
O colégio Stocco, de Santo André (região metropolitana de São Paulo), fez campanhas de conscientização para mostrar as razões da proibição.
“Os alunos demonstraram certa resistência, mas, aos poucos, vimos o comportamento deles se transformando”, diz Michelle Blaas, orientadora do ensino fundamental 2 e do ensino médio.
“Mais do que proibir, o foco está em construir uma cultura de convivência e bem-estar. E o barulho é bem-vindo. Os celulares costumavam deixar estes espaços silenciosos e os alunos, isolados como ilhas.”
De fato, educadores aceitam que o ambiente ficou mais barulhento. A sala de aula ficou mais ruidosa, assistimos até ao retorno dos antigos bilhetinhos passados entre alunos”, conta Giselle Magno, diretora pedagógica do colégio Albert Sabin, que incentivou a volta de brincadeiras tradicionais como campeonato de aviões de papel.
Segundo ela, os estudantes relatam que o fato de saberem que nenhum dos colegas tem acesso ao celular reduz a ansiedade e a sensação de estarem perdendo algo.
A diretora acrescenta que o aumento das interações gerou um aumento dos conflitos. “Mas isso possibilitou a mediação dos educadores e o aprendizado de habilidades sociais”, diz.
No colégio Magno, os estudantes passaram a ocupar espaços antes pouco usados, e foi preciso contratar mais supervisores. “O convívio, que andava prejudicado pelas telas, veio com tudo. E, claro, temos mais conflitos, porque eles convivem mais e, consequentemente, brigam mais”, diz a diretora, Claudia Tricate.
Com a lei, aumentou o incentivo ao uso de livros de papel. “Surpreendentemente, o pedido para não usar livros digitais veio dos próprios alunos do ensino médio. Eles perceberam que iriam render mais com os livros físicos.”
Para a diretora, apesar da resistência inicial e até de queixas de famílias sobre a impossibilidade de falar com os filhos durante o turno, a maior lição foi mostrar aos estudantes que eles conseguem ficar bem sem o aparelho. “Eles entenderam que ficam melhor na escola só com os amigos, sem celular.”
